América Latina: frente às ameaças de desestabilização

América Latina: frente às ameaças de desestabilização

Escrito por: Jacy Afonso de Melo secret Publicado em: 24/04/2014 Publicado em: 24/04/2014

Na primeira metade dos 80, a América do Sul pulsava com os movimentos de redemocratização e defesa dos direitos humanos. Foi aí que começamos a descobrir a importância dos acordos de integração com nossos vizinhos. Com a criação do Mercosul, em 1991, o Brasil começou a delinear uma nova forma de inserção internacional.

 

Esse processo foi subvertido por mais de 8 anos de governos neoliberais, que se assentaram na super valorização cambial e aperto fiscal para "estabilizar" as economias. Depois do período autoritário foi a fase mais difícil para o sindicalismo da região. Nesse período, sob governos democráticos, a classe trabalhadora sofreu um de seus maiores ataques e perdeu vários direitos sociais e trabalhistas. O sindicalismo teve que travar uma luta de resistência em meio a adversidade de um alto índice de desemprego e de precarização das relações de trabalho.

 

Com o governo Chávez na Venezuela e principalmente a vitória do companheiro Lula em 2002, seguido de Kirchner (Argentina), Tabaré (Uruguay), Lugo (Paraguay), Evo (Bolívia) e Correa (Equador), nosso continente passou a viver uma experiência inédita, que permitiu a superação de algumas das sequelas sociais deixadas pela década de governos neoliberais. Pela primeira vez se pode conjugar democracia, estabilidade financeira, emprego e melhoria da distribuição de renda.

 

Foram essas condições que permitiram à região sobreviver, com poucos danos, o cenário gerado pela crise financeira global, que se agudizou em 2008 nos Estados Unidos e, até hoje, condiciona a economia europeia.

 

O Brasil é o carro chefe desse processo, por suas dimensões geográficas, demográficas e econômicas. No governo Lula, o papel do país cresceu muito e além de nos tornar um pilar de sustentação política na região, passamos a atuar com destaque também nos fóruns multilaterais.

 

Na geopolítica estadunidense, depois do Oriente, somos a segunda prioridade. O avanço da China e a crise econômica levam os Estados Unidos a querer retomar e ampliar os espaços econômicos e políticos na América Latina.

 

Há pouco tornou-se público um documento elaborado no governo Clinton apresentando preocupações com o fortalecimento do Mercosul. Nessa, época o carro chefe da Casa Branca era a negociação da ALCA, acordo enterrado pela posição contraria do Brasil, Argentina e Venezuela em 2005. Depois dessa derrota, retomaram a negociação dos TLCs bilaterais (na Ásia, América Central e região andina). A partir de 2005, Chile, Colômbia e Peru, que já haviam firmado TLCs com os EUA e a UE, deram início à negociação do Tratado de livre comércio Transpacífico-TPP, que alinhará um conjunto de acordos bilaterais já existentes entre seus membros da Ásia e das Américas. A partir de 2008 incorporaram-se Austrália, EUA, Canada e Japão, configurando um acordo norte x sul, onde principalmente as empresas transnacionais sediadas nos EUA terão as maiores vantagens.

 

O Brasil não faz parte do TPP mas recebe o impacto político do mesmo, que se confronta com a consolidação do Mercosul e inviabiliza a construção da UNASUL. Como negociar uma acordo de integração quando três países membro (Chile, Colômbia e Peru) estão subordinados às regras de comercio dos EUA e vem atuando como um polo político neoliberal nas esferas continentais?

 

Agora no cinquentenário do golpe militar nos inteiramos da dimensão do apoio estadunidense à deposição de Goulart pelos militares e elite política e econômica brasileira. Hoje não se imagina a repetição desses fatos. As elites econômicas dos países da América do Sul não conseguiram reproduzir lideres conservadores para confrontar com os novos dirigentes políticos sociais como Lula, Chávez, Kirchner, Mujica, Lugo Evo, Correa. Na ausência de partidos de oposição representativos, Estados Unidos tem apoiado e, muitas vezes, financiado, movimentos desestabilizadores em alguns países da região.

 

Em lugar de golpes, a nova tática é gerar movimentos de agitação, muitas vezes violentos. Tem sido assim na Venezuela desde 2003; foi assim no Paraguay, onde em 2011 a morte de alguns camponeses em uma ocupação de terra desencadeou o golpe legislativo contra Lugo; na Argentina os Kirchner têm sido confrontados e o cambio paralelo do dólar faz aumentar seguidamente a inflação.

 

No Brasil assistimos à manipulação das grandes mobilizações iniciadas pelos jovens em junho de 2013, visando desestabilizar o governo da Presidente Dilma. No início massivas passeatas de jovens reivindicavam o aprofundamento das mudanças e concretização de uma reforma na estrutura social do país. Passada a surpresa a grande mídia aproveitou-se do caráter difuso do movimento e buscou caracteriza-lo como oposição ao governo e de combate a corrupção. Depois de duas semanas a mídia praticamente convocava os atos pela televisão, radio. Só com a insurgência da violência dos black blocs esse movimento arrefeceu-se.

 

No Brasil, os ataques da mídia são antigos, nunca aceitaram que o Presidente Lula liderasse o país. Nunca aceitaram a eleição da Presidente Dilma. E nos últimos dois alguns dos Ministros do STF, principalmente seu presidente, tem cometido ilegalidades impensáveis em uma democracia, contra os lideres do PT enquadrados na AP 470, para atacar o PT no governo.

 

Para quem tinha dúvida da co-autoria estadunidense nesses processos basta ver o acordo celebrado para instalação de uma base militar no Paraguay e o relacionamento com a oposição na Venezuela. O governo estadunidense depois de espionar e grampear políticos e dirigentes em nosso país, acompanham com interesse essa situação e já demonstram publicamente suas preferências eleitorais – contra o atual governo.

 

A mídia repete insistentemente que estamos vivendo alta inflação, que o superávit não foi alcançado, que a economia brasileira esta quebrada, etc. Mas nosso problema é político e não econômico. Depois de uma década em que floresciam todos os esforços semeados na resistência, passamos a viver uma insegurança política.

 

Por isso não basta apenas discutir aumentos do salário mínimo ou a continuidade de políticas sociais focadas, como é o caso do Bolsa Família, Minha Vida, Minha Casa. Óbvio que são importantes, mas não são suficientes para que haja uma real mudança na condição social do Brasil.

 

Nossa prioridade é política. Não devemos discutir apenas as eleições, devemos principalmente cobrar do governo a reforma política.

 

O protesto das ruas em 2013 mostrou que quase a metade dos ocupados tem empregos precários e de má qualidade. A educação não avançou e o crescimento do número de universitários se dá pelo aumento de bolsas nas escolas privadas.

 

Nos períodos da ditadura e dos governos liberais perdemos muitos direitos. Sob a justificativa de gerar empregos os contratos de trabalho vêm sendo precarizados e, mesmo depois de superada a fase critica, as perdas não são revertidas. Ao contrario. Com menos intensidade, mas nos últimos anos tivemos que nos mobilizar para que a terceirização não se expandisse mais, para tentar eliminar o Fator Previdenciário, etc .

 

Esses aspectos tem que fazer parte das discussões com o governo e os partidos que apoiem as demandas dos trabalhadores, a agenda não pode ser apenas eleitoral. Temos que cobrar a continuidade das mudanças, a desprivatização do Estado, a melhora das políticas públicas e a recuperação dos direitos trabalhistas que perdemos.

 

Além disso é fundamental que o atual governo tenha uma atuação mais ativa em apoio às democracias dos países sulamericanos sob ataque, porque se esses caírem, a democracia em nosso país se enfraquecerá.

 

Nosso continente está sob ataque e os sindicatos têm um papel muito importante nesse processo.




Informativo CNTRV

Cadastre-se e receba periodicamente
nossos boletins informativos.